quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Pendurado

É um cara comum. Está aqui para um saudável passeio matinal. Uma caminhada de ritmo firme. A garrafa de água presa na cintura, o medidor de batimentos cardíacos acoplado ao relógio de pulso. O tênis bem branquinho, roupas leves.

Inspira, expira.

Tudo pronto.

Em meio ao caos do centro urbano, repousa a Perola Verde, um parque com quilômetros de mata preservada. Diversas são as arvores estrondosas que abrigam as trilhas quase inexploradas. O movimento pela área não é dos maiores, um ou outro passante a cada duas horas. Muitos pássaros, dizem até que alguns mamíferos perigosos por ali habitam. Talvez seja lenda.

 O fato é que o cara comum atreve-se a fazer uma nova rota por entre a vegetação. Apesar da quantidade de insetos grudando em sua pele, ele não tem motivos para se arrepender, afinal, o pacato classe média gosta de mostrar sua disposição para com a natureza.

Checando o ritmo no visor do relógio, sente seus pés sendo laçados fortemente por uma armadilha clássica de corda. Ele não acredita que realmente esta de cabeça para baixo, pendurado há quase dois metros do chão. Ainda mais numa armadilha, tão, tão... Cinematográfica.

Não... Não quer aceitar a própria situação primitiva. Só que meia hora gritando por socorro é o suficiente para desanimar o cara comum pendurado na arvore. O suor empapado na roupa, a face coberta de insetos. Uma depredação de estado muito rápida.

Passos ao fundo. Folhas secas estalando, cada vez mais perto. Quem poderá ser? Claro, só pode ser o sujeito que fez a armadilha. E é mesmo. Um tipo estranho. Aparenta idade avançada, mas nada acabado. O cara comum pendurado palpita uns cinquenta anos. O homem de cinquenta anos usa uma camiseta militar e tem as botas polidas, mas, e as calças? Sem as calças. “Como pode?” Pensa o cara comum de cabeça para baixo.

"Me tira daqui! Por favor”.

O homem de cinquenta anos não se digna a responder. Aperta a mão sobre o proprio peito, contorce a boca e cai no chão. Ataque cardíaco fulminante.

Três, quatro horas, e o corpo rijo, abarrotado de formigas. Então, barulho na mata. O que mais pode ser? Ajuda... Só pode ser ajuda.

Não é nada... E acaba que não é nada por dias. E o cara comum, calejado de seus próprios gritos,  acha que morrerá de inanição. Mas, antes do ultimo suspiro, chega a esperada ajuda. Um fio de esperança. O alivio do resgate. Outro cara comum, com tênis para caminhada bem branquinho. Tira foto. Fica curioso. “Melhor chamar a policia”, ele diz. Por azar, ao dar meia volta,  mal sente os pés sendo enlaçados pela corda.

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